Este artigo vem como cortesia da amiga Charlotte Neilson, autora do fascinante blog de design Casting Architecture, que discute arquitetura e direção de arte. Charlotte não é só uma dedicada cinéfila, mas também uma graduada de honra da University of Newcastle, Australia.
Todos sabemos que psicopatas preferem o design contemporâneo. Hollywood nos diz isso por décadas. A clássica conexão entre interiores minimalistas e o desapego emocional (veja: qualquer adversário de James Bond), ou entre edifícios modernos e valores subversivos, é bem documentada no cinema - e lamentável. A filosofia moderna de chegar à essencia de um edifício foi concebida para liberar e enriquecer a vida de seus ocupantes. Então, é pouco justo que essas construções sejam rotineiramente retratados como associações à vilões.
O que a representação da Arquitetura Moderna nos filmes nos conta sobre nossa sociedade, abaixo...
O trabalho de John Lautner é que mais sofreu nas mãos de Hollywood. Tendo se baseado em LA na década de 1940, o corpo resultado de seu trabalho tornou-se alimento para a indústria cinematográfica. Suas habitações têm sido a motivação para assassinato (Polin House, Twilght, 1998), testemunha de assassinato (The Malin Residence/Chemosphere, Body Double 1984), o assassinato de um mentiroso (The Elrod House, Diamonds are Forever 1971), e o objeto de fúria de Mel Gibson (The Garcia Residence em Máquina Mortífera 2, 1984).
Mas não foi apenas o trabalho de Lautner, que sentiu a ira de filmes. O filme de 1986, Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Buellers Day Off) conta com a Rose House, de James Speyer, em Illinois, uma elegante estrutura de aço, uma construção moderna com paineis modulares de vidro que criam um revestimento quase inexistente. Na vida real, o pavilhão era de múltiplo uso, abrigando exibições de arte e showrooms de automóveis; no filme, é uma garagem doméstica, um espaço que representa os valores menos que positivos de seu habitante.
A casa recebe todo o tratamento hollywoodiano: filmada em tons frios e pouco mobiliário, parece não só institucional, mas sombria e inóspita como uma habitação familiar. Ferris reclama que a casa parece um museu -o que faz sentido, considerando que o dono da residência é o pai distante de Cameron, amigo de Ferris, um homem rico, que de acordo com Ferris, tem prioridades "fora de sintonia".
Mas, interiores minimalistas ainda representam habitantes sem coração com problemas emocionais? Se na maioria dos filmes atuais não se aproximam disto, esses clichês tornaram-se menos significativos.
Por exemplo, pegue a popular série "Crepúsculo". Interessando-se ou não na saga, os edifícios associados a esse grupo de vampiros 'vegetarianos' são certamente notáveis. O Portland’s Skylab, de Brian Hemingway e dos arquitetos brasileiros Bernardes Arquitectura, apresentam todas as características proeminentes. Esses espaços contemporâneos não-convencionais representam um sofisticado design doméstico moderno. Sim, eles abrigam vampiros, mas estes são personagens que nos devemos gostar e aprovar -especialmente por suas escolhas (eles preenchem suas vidas com música, arte e bom design, ao invés de sucumbirem a desejos menos sofisticados) . Ricos acabamentos, revestimento de madeira e elementos texturizados, tudo enfatiza a conexão com a natureza, e leva os ocupantes um passo mais próximo à humanidade.
Dado que os livros de Stephenie Meyer retratam uma mansão predominantemente branca e da virada do século como o lar do clã, existiu uma escolha deliberativa do time de produção de usar uma palheta mais quente para fazer espaços mais atraentes. Essa abordagem não só acabou sendo uma boa adaptação para o cinema (e uma interessante alternativa ao tradicional castelo),mas também causou polêmica em fóruns online conforme os fãs discutiam sobre portas pivotantes de vidro, banheiros iluminados com luz natural e o uso da madeira como revestimento. Isto mesmo. Adolescentes discutindo arquitetura. E com aprovação
A crescente indústria de efeitos gráficos também teve seu efeito sobre os antigos esteriótipos. No Homem de Ferro 2 (Iron Man 2), de 2010, escolhe-se um projeto de Lautner numa encosta para acomodar a personagem principal, Tony Stark. Digitalmente criada para o filme, a habitação é uma Chemosphere em maior escala, realocada na dramática localização e re-equipada para hospedar um bilionário high-tech. Os volumes atemporais, de apoios centrais e característicamente dramáticos são celebrados. Ah, e Tony Stark é um herói.
Então, porque a relação com o Modernismo, refletida nos filmes, mudou? Pode ser porque, com o advento de smart phones e a tecnologia wireless, que hoje consideramos preferível -e não psicopático- morar em casas sem as armadilhas tradicionais.
No entanto, pode ser também um efeito da realidade econômica. É difícil não comparar essa recente mudança dos acontecimentos com a introdução do estilo 'moderno' no cinema nos anos 30. Liderada pelo legendário Diretor de Arte da MGM, Cedric Gibbons, o estilo de linhas limpas e detalhes geométricos do que hoje conhecemos como “art deco”, traduziu bem a volta do branco e preto; e, mais importante, também permitiu o vislumbre do mundo endinheirado e despreocupado, promovendo um tipo de escapismo público durante a Grande Depressão (Great Depression). Estamos vendo, então, um efeito similar na atual recessão?
De qualquer forma, parece que estamos entrando em uma era cinematográfica que realmente abraça a visão oferecida pela profissão arquitetônica. Com a mudança de imagem da arquitetura moderna na produção de design e renascimento popular do modernismo do meio deo século, os filmes de hoje estão corrigindo o desserviço que prestaram no passado aos edifícios modernos. Finalmente.